segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Futebol e Cultura no Brasil

Nos domingos ensolarados do Rio de Janeiro do início do séc. XX, era grande a aglomeração de pessoas na beira da baía de Guanabara para assistir ao esporte mais popular da época. Engana-se quem acha que esse esporte era o futebol. O remo era o grande esporte do Brasil de 1900. Daí podemos entender o porquê dos grandes clubes cariocas terem regatas sem eu nome: Clube de Regatas do Flamengo, Botafogo de Futebol e Regatas e Clube de Regatas Vasco da Gama. Mas por que o remo não permaneceu como esporte preferido das multidões? Mário Filho, afirma em seu livro Histórias do Flamengo que um remador era alto, forte, porte físico de atleta e que o esporte era praticado pelas elites. O futebol também. Os jovens filhos de pessoas mais abastadas iam estudar fora do país, principalmente na Inglaterra, e por lá praticavam o Football. Ao voltarem para o Brasil traziam com eles, além da bola, a paixão por esse esporte. Só que diferente do remo, o futebol pode ser jogado por qualquer pessoa, independente de seu porte físico. O espectador do futebol via nesse jogo uma proximidade maior da sua realidade, onde um baixinho, gordinho e até um raquítico, poderia fazer miséria dentro de campo. Bem diferente do remo.
Com toda essa democracia dentro de campo, não tardou para que o futebol caísse no gosto popular. E nesse momento, acontece o fato que seria decisivo para o futebol se transformar em cultura nacional: a entrada do negro nesse esporte. O negro traria a ginga e o improviso característico do futebol brasileiro. E pelo lado cultural, daria a uma enorme parcela da população, até então totalmente excluída, uma chance de se mostrar melhor que as elites, mesmo que seja , naquele momento, dentro de campo. O futebol, então, será para muitos negros e mestiços a única chance de ascensão social e uma forma de se realizar, vendo a vitória do seu time como sua. O pesquisador em comunicação Victor Andrade de Melo afirma que o futebol seria a antítese das passeatas das elites. Será no estádio que a população vai sublimar suas tristezas.
Faltava essa cultura do futebol ganhar o país para se consolidar de vez. Com a criação do Estado Novo, a ditadura Vargas impôs um rígido controle nas redações dos jornais. Coube ao futebol virar carro-chefe dos periódicos da época. As simples descrições dos jogos que antes ganhavam pequeno espaço na diagramação no jornal transformaram-se em capas. Os jogos em batalhas épicas e os jogadores viraram personagens heróicos. Foi Mário Filho que iniciou esse jornalismo esportivo mais romântico, tratando o atleta como um personagem humano e ao mesmo tempo herói. Não foi à toa que nessa época tivemos a primeira experiência de marketing esportivo no Brasil: Leônidas da Silva, o diamante negro, ganhou alguns trocados para ceder seu apelido ao famoso chocolate.
Vargas, que usava o recém inaugurado estádio do Vasco – São Januário – para seus discursos com as célebres interlocuções: “ Trabalhadores do Brasil!” fez, sem ter dimensão, um bem para a consolidação do futebol como cultura no país. Ao criar a Rádio Nacional dentro da sua política nacionalista que incluía o petróleo e a siderurgia nacional, levou os duelos dos times do Rio para todo o país. Foi o que faltava para fazer do futebol a paixão nacional.
Mas foi o mesmo rádio, que transformou o país em uma “pátria de chuteiras”, que fez o Brasil chorar na final da Copa de 50. Essa Copa foi feita para o Brasil ganhar, era sede da Copa, construiu o maior estádio de futebol do mundo, tinha um super time, base do Vasco campeão carioca, e estava dizimando seus adversários até a final. Seria a coroação do país do futebol. O gol de Ghiggia que virou o jogo para o Uruguai calou as mais de 200 mil pessoas presentes no Maracanã e escreveu um dos capítulos mais sombrios da história do Brasil. Não é exagero, a força que o futebol tem na cultura do país levou todo um país a uma comoção geral. O que levou Nélson Rodrigues a definir como “complexo de vira-latas do povo brasileiro”.
Esse complexo continuou em 1954 na famosa batalha de Berna na Suíça. Copa do Mundo, Brasil e a poderosa Hungria de Puskas e Cia, muita chuva, briga e no final derrota brasileira. Junto ao complexo vieram as críticas de que o Brasil tremia, amarelava, que tinha sido criado para perder, um país de miscigenados fadados ao fracasso.
Coube a um mestiço, estrábico e de pernas tortas e a um negro acabar com esse estigma. Curiosamente Garrincha e Pelé não jogaram os dois primeiros jogos. Após uma vitória contra a Áustria e empate contra a Inglaterra, apenas uma vitória contra a temível URSS deixaria o Brasil vivo na Copa de 1958. Os jornais davam como certa a derrota, os russos tinham o futebol científico, atuais campeões olímpicos. Os brasileiros passaram a acreditar que a Copa era possível, depois de assistir a maior dupla que uma seleção mundial já teve: Pelé e Garrincha. Com eles a seleção nunca perdeu. O futebol científico foi derrotado pelo improviso e arte do futebol brasileiro. Após esse jogo, o povo saiu para a rua com bandeiras, carreatas, as escolas de samba desceram o morro e invadiram as avenidas, o complexo de vira-latas caía. O povo brasileiro tinha orgulho de sua bandeira, o patriotismo votou à tona. Ganhamos a Copa. Os jogadores foram recebidos como heróis e posavam para fotos ao lado de políticos. Tornávamos-nos o país da Copa do Mundo e mundialmente conhecidos como país do futebol. Éramos bons no samba e bons no couro.
Nessa época o Brasil vivia um grande momento como país. A Bossa Nova era criada e levava para o mundo a música brasileira. Os anos dourados criaram a auto-estima em todo povo brasileiro, finalmente éramos reconhecidos como os melhores. Os 50 anos em 5 de JK, a industrialização automobilística, construção de Brasília: o Brasil ia melhorar; e é claro que o futebol como elemento da cultura nacional influenciou nessa onda de positivismo.
Positivismo que substituiu a desconfiança na seleção brasileira em 1962. Mesmo com Pelé machucado, Garrincha jogou por ele e pelo “rei” e o Brasil foi bi-mundial no Chile. Era a confirmação do melhor futebol do mundo.
Melhor futebol que não apareceu em 1966 na Inglaterra, O Brasil fez sua pior campanha em Copas, saindo na 1° fase. Chegava ao fim a era Garrincha.
Em 1970 começou outra era, a era do futebol ao vivo, via satélite. A ditadura militar incentivou a compra de televisores coloridos e associou a seleção ao regime. A seleção levava consigo uma música com letra de ordem dos militares: Pra frente Brasil! Culturalmente a vitória deu a alegria para o povo que preferia se remeter ao futebol a enxergar o que acontecia nos porões da ditadura. O AI-5, instaurado 2 anos antes era momentaneamente esquecido por uma seleção fabulosa que encantou o mundo e nos deu o tri.
O regime militar entendeu bem o que o futebol representava na cultura do país. Era o circo para o povo. Construiu junto com as mega-obras, como a ponte Rio-Niterói, grandes estádios, com altíssimas capacidades nas grandes cidades do país. Não foi à toa que o Campeonato Brasileiro surgiu em 1971, reafirmando a cultura de país do futebol.
Em 1974, ficamos em 4° lugar, em 1978 em 3° lugar. Nesta última Copa com outra ditadura usando do futebol como propaganda. O título da Argentina serviu para demonstrar que o futebol é visto como cultura não só no Brasil. Através de vitórias e títulos países vão esquecer suas tristezas e problemas e entrar numa catarse coletiva.
Nos anos 80, a cultura do futebol no país se reafirmou com os grandes craques da época e com os títulos internacionais dos grandes clubes como Flamengo e Grêmio. O futebol arte brasileiro levou um duro golpe na Copa de 1982 e se repetiu em 86, levando ao futebol de resultado de 90 e 94 que mesmo esse último sendo campeão, não encantou o torcedor brasileiro, mostrando que a nossa cultura esportiva é de uma vitória plena, com total superioridade sob o adversário, sem nenhuma dúvida.
A falta de encanto do torcedor pela seleção também se deve ao êxodo dos grandes craques, provocando um distanciamento em relação ao povo. Os jogadores jogam no máximo 2 anos em seus clubes, sem criar identidade com o torcedor. E na seleção se apresentam em amistosos caça-níqueis da CBF para gerar cada vez mais fortuna para a instituição em qualquer canto do mundo. Tornando a Seleção Brasileira, um dos símbolos nacionais, produto de venda para quem pagar mais.
Esse tratamento do futebol como produto cultural e não elemento cultural esfria a sua relação com o torcedor, mas de maneira nenhuma apaga a paixão do brasileiro pelo futebol. Faz parte da nossa cultura, enraizada e praticado em qualquer canto do país. È a nossa natureza. O Brasil é o país do futebol. No sonho de qualquer menino em jogar num estádio lotado. Na garota que te dá bola ou não. Na entrevista de emprego que bate na trave e na atitude errada que é bola fora. Com certeza Charles Miller não tinha noção que a bola e o esporte trazido da Inglaterra mudaria para sempre a história desse país, transformando-o em cultura e afirmação de um povo.